A tipografia é uma disciplina
exercida de uma forma sistemática, metódica e rigorosa: a organização dos seus
elementos estruturais básicos em composições funcionais e estéticas qualifica-a
como uma arte de escrever. Assim, o objectivo deste artigo é analisar
criticamente os elementos da arte tipográfica utilizados num projecto gráfico.
A letra é uma componente
essencial no âmbito da tipografia: qualquer trabalho gráfico passa pela
selecção e composição de tipos, isto é, conjunto de caracteres tipográficos que
constituem um texto impresso. São inúmeros os tipos que integram o universo
tipográfico, no entanto, a Helvetica
(Fig.1) é a fonte (designação tradicional de tipo) mais inédita: embora
considerada “a fonte sem carácter”, é a letra mais viajada do mundo. Para
melhor compreensão, é necessário invocar o contexto em que nasceu esta fonte.
Fig. 1 - Helvetica, a fonte da globalização. |
A Helvetica surgiu na década de 50, na conjuntura de recuperação
económica após a II Guerra Mundial. A necessidade de um novo lançamento das
empresas alemãs e suíças nos mercados internacionais suscitou a procura de uma
letra clara, neutral, moderna e apta para boas relações com todos os países e
culturas. Desenhada como uma versão modernizada da Akzidenz Grotesk, a Helvetica
começou por ser comercializada como Neue
Haas Grotesk. A primeira versão, desenhada por Max Miedinger, foi
apresentada em 1957, em Lausanne, na Feira graphic
57 e descrita como “bem concebida, equilibradamente discreta e temperada,
funcional, suave e fluida”. Em 1961, a Neue
Haas Grotesk foi relançada no mercado sob o nome de Helvetica, apresentando uma adição de vários pesos e graus de
condensado. Esta fonte suíça sem serifa (tipo de letra sem alargamento
terminal) foi a fonte de maior sucesso nos 60 e 70 – a fonte das multinacionais
–, destaque resultante da falta de quaisquer qualidades específicas.
Neville Brody (1957-), um dos
designers mais conhecidos da geração de 80, teve um papel decisivo na história
da Helvetica: aplicou criatividade e
inteligência visual a esta fonte, desviando-a do seu aborrecido percurso. Um
dos exemplos do seu trabalho gráfico é o presente anúncio realizado para a Nike
em 1988 (Fig. 2).
Fig. 2 - Anúncio para a Nike, de Neville Brody. |
À primeira
vista, o olho humano capta o peso máximo da letra e o contraste entre a leveza
de um Ultra e a agressividade de um Bold. No mundo publicitário, a cor tem o
poder sugestivo e persuasivo. Neste caso, a aplicação da cor tem como objectivo
influenciar o ser humano, ou o consumidor, no seu desejo de possuir prestígio
(branco = pureza), ou de personalidade (preto = força), ou ainda aparência
(castanho = solidez). Assim, as garrafais Helveticas
e o contraste de cor exercem um impacto instantâneo na percepção humana: as
grandes e negras letras são o chamariz para incitar à leitura da composição e,
mais tarde, à aquisição do produto por ela divulgado. Ou seja, quando maior o
contraste, maior a curiosidade e o interesse.
Brody procurou
ultrapassar a falta de personalidade da Helvetica, explorando a sua geometria e
dotando-a de movimento, isto é, pondo esta fonte aos saltos (representados
pelas palavras bounce, slam, smash). Contudo, tal não afecta a legibilidade e a
“lecturabilidade”. Quer isto dizer que o desenho da letra aparece unido ao
conteúdo e o dota de personalidade. Esta última é reforçada ainda pela ausência
da serifa – a mensagem veiculada é suficiente por si só.
De um modo
geral, Neville Brody soube tirar partido da vasta gama de pesos e cores da
letra e das suas formas acentuadamente geométricas para traduzir o globalismo e
a presença universal da Nike. Afinal de contas, os cortes ultrafinos e os
bombásticos ultrafortes têm sido os preferidos para todos os géneros de
comunicação.
Bibliografia:
Heitlinger,
Paulo. Tipografia: origens, formas e uso
das letras, Lisboa: Dinalivro, 2006.
Bacelar, Jorge.
A Letra: Comunicação e Expressão,
Covilhã, Serviços Gráficos da Universidade da Beira Interior, 1998.
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