segunda-feira, 9 de abril de 2012

Proposta de trabalho 2 - Memória descritiva

A tipografia é o rosto da comunicação na medida em que dá corpo à linguagem verbal. A palavra foi dada ao Homem para descrever os seus sentimentos, explicar os seus pensamentos, partilhar as suas experiências e, por fim, estabelecer registos que o transcendam no tempo. Desta forma, a palavra é a base de toda a comunicação e assume o papel de formalizar e imortalizar a memória do ser humano. Como escreveu Raúl Brandão: "Vivemos de palavras". Neste processo, a letra é uma componente essencial da palavra: não só representa graficamente um som, como também interage com a nossa percepção. E é neste sentido que surge a proposta de trabalho n.º 2: com base num texto de um artigo, ou notícia, desenvolver uma tipografia, salientando o valor estético e simbólico da letra.

Ora, no passado mês de março, o Jornal de Letras, Artes e Ideias celebrou o seu 32º aniversário de publicação com o tema “Língua Portuguesa”, o fundamento e uma das principais razões de ser do jornal. O aniversário foi assinalado com breves “declarações de amor” ou “cartas de amor” à Língua Portuguesa por parte dos criadores do vasto espaço do idioma comum. De entre inúmeras “cartas” dedicadas à Língua,  a nossa escolha recaiu sobre a de Fernando Pinto do Amaral, poeta, ficcionista e crítico português. Assim, a partir das suas palavras, procuramos fazer com que, olhando apenas, se consiga perceber o que o texto revela, isto é, um amor de sempre à Língua. Eis o texto:


Minha querida,

Apaixonei-me por ti há muito tempo, talvez noutra vida, talvez mesmo antes de ter nascido. Como é próprio dos grandes amores, sempre tive a sensação de que já te conhecia e apaixonei-me logo, sem te conhecer bem. Depois, pouco a pouco, tenho aprendido a conhecer as tuas palavras e os teus silêncios, com os seus sentidos que fazem vibrar os meus. Ao longo do tempo, temos jogado um discreto jogo de sedução: às vezes persigo-te, quero ir atrás de ti, mas não vale a pena forçar nada – quando penso que estou quase a agarrar-te, escapas-me por entre os dedos. Noutras ocasiões gosto que sejas tu a seduzir-me e deixo-me levar pelas tuas ironias, pela tua graça, pela subtileza das tuas palavras. Por vezes também me aplicas a tortura do silêncio: fico à espera de uma palavra tua e nada – apenas a certeza de um ecrã vazio, de uma página em branco, de um telefone mudo. Mas depois, no dia seguinte, quando menos espero, as tuas palavras aparecem-me outra vez. Gosto de as ouvir, a essas palavras de tantos autores que falam graças a ti em voz alta, no teatro ou no cinema – mas também as que são só tuas e minhas, nos momentos mais secretos em que te escrevo ou te leio.

Como muitos poetas, apaixono-me com demasiada facilidade e já me apaixonei por outras – por exemplo, uma prima tua a quem já disse mon amour. Mas tu és especial. Podes ser maltratada em alguma imprensa, podem usar-te ou abusar de ti, mas resistes a tudo e vais continuar a resistir. Isso só mostra que estás viva, que não te deixaste cristalizar, que estás a evoluir. Gosto que sejas assim – um pouco caprichosa e sujeita a crises, aos terrores mais negros e às fantasias mais cor-de-rosa, que às vezes partilhas comigo.

Todos falam de ti, oiço-te em toda a parte, és omnipresente – mas para mim sempre moraste ao pé do mar, entre pinhais onde se ouve o Atlântico. Todos os dias te escrevo, todos os dias te leio, e só te peço que não me abandones. Que me dês, de vez em quando, algumas palavras – porque sei que não conseguiria viver sem ti.

Teu Fernando

Com efeito, escolhemos "um amor de sempre", uma carta dirigida à amada de Fernando. Fernando recita que apaixonou-se por ela mesmo "antes de a conhecer", o que mostra o quão grande é este amor,  quase platónico, pois nos leva a uma existência que supera o carnal e nos leva ao metafísico, um amor espiritual, um amor que existiu talvez até "em outra vida" ou "antes de terem nascido". Para representarmos graficamente tamanho amor, escolhemos a imagem abaixo, que transmite, assim como o texto, uma sensação de beleza natural,  propícia aos mais belos romantismos e à paixão na sua forma mais pura. Um outro motivo desta escolha é o facto de ser uma beleza que se assemelha à das mulheres portuguesas, com pele ligeiramente morena, olhos castanhos e cabelos negros, uma beleza que encanta qualquer um.


Sendo assim, o nosso objetivo com este trabalho foi dar vida à mulher de Fernando, transformar cada palavra e cada letra nesta pessoa. As palavras não terão um mero papel descritivo, elas formarão a face da mulher, e por isso a tipografia é tão interessante e única, porque é a materialização da união do sentimento das palavras com a beleza da pessoa amada. E mais do que isso, visto a comemoração previamente referenciada, tentamos personificar toda a beleza da tão única língua portuguesa nesta figura, as poéticas palavras de Fernando transformar-se-ão em uma mulher, linda, que representa toda a beleza da nossa língua, beleza esta que tão pouco valorizamos.

Por isso, o objetivo foi conciliar o emocional do texto com a beleza da mulher, e assim foi feito. Após várias tentativas, sendo a maior parte delas frustradas, chegamos ao equilíbrio do sentimento do texto com a beleza da figura. Numa primeira fase, as ferramentas utilizadas, como Illustrator e Photoshop, não conseguiram satisfazer a necessidade do nosso trabalho, como na imagem abaixo:


Neste exemplo, apesar de as palavras estarem salientadas, o que é importante para a transmissão do sentimento do autor, não conseguimos conciliar o texto com a beleza da mulher. De facto, mal se nota a figura de um ser humano. Não importa o número de palavras se estas não exercem um impacto visual forte e significativo. Assim, através deste exemplo, chegamos à conclusão que o principal não seria distinguir as palavras, mas sim a face em torno do texto. Após uma série de tutoriais e pesquisas tipográficas, conseguimos, através do Photoshop, atingir os nossos objetivos. Como resultado final, as palavras da carta de amor sobressaem-se umas as outras para darem forma à mulher.


Tudo nesta composição foi pensado de forma a transmitir o sentimento da carta de amor: a mulher, cuja beleza natural é clara, as palavras, que, apesar de não se notarem de forma nítida como na composição anterior, são palavras de amor, e mesmo a própria fonte, bastante clássica, foi pensada para transmitir este ideal de leveza, naturalidade e da própria escrita da carta. Finalmente, as cores transmitem uma sensação primaveril, cores alegres e suaves, cores tranquilas e serenas, cores que nos fazem pensar em como a vida pode ser bonita ao lado de quem amamos. Não se trata de um amor meramente carnal, mas sim, um amor puro, ingénuo, um amor bonito, sem egoísmos ou preconceitos, sem brigas ou desrespeitos, apenas amor. Estas cores fazem a imagem ser o que é, um símbolo do sentimento na carta, uma representação visual da beleza da mulher, uma sequência de tons que acalmam a visão, dão serenidade a quem a vê e une o sentimento e a beleza numa única palavra, num único sentimento que, vulgarmente, denominamos de amor. Esta mulher, estas palavras, estas letras, estas cores são toda a beleza do que existe de mais puro na nossa língua portuguesa.

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